Polícia
Médico é indiciado por homicídio culposo contra paciente idosa em Extrema, RO
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Um médico plantonista do Hospital Regional de Extrema (HRE), distrito a cerca de 300 quilômetros de Porto Velho, foi indiciado por homicídio culposo pela morte da costureira Francisca Rodrigues Lima, de 64 anos. Ela morreu após ficar mais de 10 horas sem atendimento médico, no dia 4 de fevereiro deste ano. Antes de falecer, a idosa teve três paradas cardiorrespiratórias.
De acordo com a Polícia Civil, a ocorrência foi registrada como omissão de socorro. Porém, por suspeita da morte ter sido ocasionada por negligência médica, foi mudada para homicídio culposo – quando não há intenção de matar.
A família de Francisca registrou ocorrência quase dois meses depois do caso. A mudança no tipo de crime foi feita pelo delegado Stanley Talhari, da 9ª Delegacia de Polícia (Extrema), que estudou o caso por mais de um mês.
“Decidi enquadrar o médico em homicídio culposo, já que houve negligência. Pelo relato das testemunhas, é possível perceber que ele não examinou a paciente”, explicou Talhari.
O inquérito foi concluído e encaminhado ao Ministério Público Estadual de Rondônia (MP-RO). O documento chegou às mãos do promotor Alexandre Cordacho, da 17ª Promotoria de Justiça, na última segunda-feira (9).
Segundo o promotor, o inquérito foi devolvido à Polícia Civil para “realização de novas diligências para coletar elementos que demonstrem a extensão da responsabilidade criminal do profissional de saúde”. Após a perícia policial, Alexandre confirmou que o inquérito retornará ao MP-RO para nova análise.
O G1 tentou contato com o médico indiciado por uma semana. Na última tentativa, a defesa informou que o investigado não irá se pronunciar e que não está autorizada a responder por ele sobre o assunto.
O caso
Francisca Rodrigues deu entrada no hospital no dia 2 de fevereiro de 2018. Na ocasião, a costureira reclamava de dores no abdômen e febre alta. O motivo era o início de catapora.
Naquele dia, o médico de plantão chegou a examinar e internar a paciente. Pelos exames, a costureira tinha uma pedra na vesícula, que seria tratada posteriormente. Por ter apresentado melhora, Francisca teve alta na manhã seguinte.
“Mas, no mesmo dia que teve alta, minha mãe deu uma piorada. Foi preciso retornar ao hospital”, explicou a filha da costureira Luciana Rodrigues Lima, de 37 anos, que acompanhou a mãe.
Ao contrário da primeira entrada na unidade de saúde, o médico que estava de plantão no outro dia não examinou Francisca, conforme informações no relatório do inquérito. Ela chegou ao hospital às 16h do dia 3 de fevereiro e morreu às 2h30 da manhã seguinte.
Uma das três enfermeiras que deu suporte à paciente, mas preferiu não ser identificada, disse que o médico apenas ordenava o que fazer, mas sem tocar ou ver a paciente.
“A paciente foi piorando o quadro e, mesmo sendo chamado, o médico não foi vê-la”, disse.
Segundo Luciana Rodrigues, as enfermeiras constataram que Francisca estava com uma hemorragia próxima ao pulmão. “Elas falaram que minha mãe estava com as plaquetas muito baixas. O médico só a olhou, mais nada”, contou.
Segundo a chefe de enfermagem, no inquérito as enfermeiras solicitaram que o médico encaminhasse Francisca a um hospital em Rio Branco (AC), em uma ambulância com Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Porém, o pedido não foi acatado.
“Tinha uma moça com sangramento que foi levada nessa ambulância. As enfermeiras falaram que não precisava, pois o caso da minha mãe era mais grave. Ele [médico] errou duas vezes”, disse o filho de Francisca Jailson Rodrigues, de 33 anos. No hospital, apenas uma de três ambulâncias tinha UTI.
Segundo as investigações a paciente passou mais de 10 horas dentro de uma das salas do hospital. No local Francisca teve duas paradas cardiorrespiratórias.
O médico indiciado apareceu para atender a idosa às 2h30. “E mesmo assim não tocou nela. Era isso que nos frustrava”, contou Jailson Rodrigues. Nesse horário, a única ambulância com UTI havia chegado na unidade de saúde. Jailson, junto às enfermeiras, tentaram transportar Francisca ao veículo. Foi quando a idosa teve a terceira parada e faleceu.
“Foi tudo muito rápido. A última frase que minha mãe disse foi: ‘Apressa eles, meu filho’. Ela sabia o que estava acontecendo. Quando retiraram o oxigênio, ela já não apresentava mais os sinais vitais”, relatou Jailson.
“Ela estava doente, mas não a ponto de morrer”, completou o filho da vítima.
Inquérito
Após o registro da ocorrência na polícia, o Hospital Regional do Distrito de Extrema entrou com um processo administrativo contra o médico plantonista para apurar o fato. Sobre as ambulâncias e apenas uma com UTI, a direção informou, em depoimento à Polícia Civil, que dispõe de um centro cirúrgico, mas sem a unidade.
Disse, ainda, que todos os pacientes com quadros graves são levados a um hospital em Rio Branco com mais equipamentos. A direção negou que não houvesse ambulâncias o suficiente, nem mesmo servidores de plantão.
A família de Francisca também denunciou o médico ao Conselho Regional de Medicina de Rondônia (Cremero). Segundo a assessoria, o caso está sendo investigado em sigilo. Caso comprovada a negligência do profissional (considerada a pior infração ética ao conselho), o médico poderá ter a Carteira Profissional de Médico (CFM) cassada.
Caso a denúncia ao Ministério Público Estadual de Rondônia seja acatada, o médico poderá ficar detido de um a três anos, segundo o Código Penal Brasileiro. Como a ocorrência se trata de negligência a uma idosa maior de 60 anos, a pena aumenta em um terço do previsto.